“Você pode se orgulhar por ser advogado”
“Você deveria ter vergonha de ser advogado.”
“Você pode se orgulhar por ser advogado.”
Duas frases opostas, presentes numa mesma história sobre um juiz que tomou uma decisão muito impopular — uma decisão que gerou grande reação contrária por parte da classe política e dos cidadãos em geral.
Vamos a ela.
Há um forte nacionalismo nos Estados Unidos. Queimar a bandeira é tido como sacrilégio por muitos. 48 dos 50 estados da Federação norte-americana tinham leis que puniam quem profanasse a bandeira dos Estados Unidos.
No caso Texas v. Johnson, a Suprema Corte dos Estados Unidos — o STF dele — decidiu que o ato de queima da bandeira realizado pelo réu Gregory Lee Johnson estava protegido pelo direito de liberdade de expressão.
A decisão foi tomada por maioria de votos (5x4). O voto da maioria coube ao juiz William Brennan Jr.
De particular importância e interesse foi o voto em separado do juiz Anthony Kennedy (1936-), que também decidiu com a maioria.
Kennedy se preocupou em explicar, numa linguagem acessível, porque aquela era a decisão mais coerente com o que a própria bandeira representa:
“O fato difícil é que às vezes precisamos tomar decisões que não gostamos. Nós fazemos isso porque é o certo, no sentido de que a lei e a Constituição impõem o resultado. A bandeira representa crenças que os norte-americanos compartilham, crenças na lei e na paz e na liberdade que sustenta o espírito humano. O caso da queima da bandeira força o reconhecimento dos custos que essas crenças nos impõem. Não é fácil, mas é fundamental que a bandeira proteja inclusive aqueles que a desprezam.”
Kennedy é ex-aluno de Direito da Universidade de Harvard. Há três anos, num evento organizado por essa universidade, relembrou-se dessa decisão e do seu voto, e compartilhou uma história impressionante:
<<Eu estava na Califórnia para visitar os meus filhos. Eu almocei com os dois garotos. Um cara veio a mim na lanchonete e me perguntou: “Você é o juiz Kennedy da Suprema Corte?”
E prosseguiu:
“Vejo que está com a sua família. Como você no passado, eu tenho um pequeno escritório de advocacia. Fica no norte da Califórnia, em Ukiah. É uma cidade muito pequena. Eu vivo e trabalho lá pra estar perto do meu pai. Minha mãe morreu há muitos anos.”
“Meu pai nunca tinha pisado no meu escritório. O jornal local relatou o caso da queima da bandeira. No dia seguinte ele foi lá, no meu trabalho. Havia muitas pessoas. Na frente delas, bateu o jornal na mesa e me disse: ‘Você deveria ter vergonha de ser advogado’.”
“Meu pai reagiu assim porque tinha sido prisioneiro de guerra por dois anos e meio na Alemanha. Os prisioneiros pegavam pequenos pedaços de tecido vermelho, branco e azul e faziam uma pequena bandeira, e a passavam de mão em mão para manter o moral. Os guardas a tomavam, eles iam lá e faziam outra.”
“Meu pai ficou furioso com a sua decisão no caso da queima de bandeiras. Então eu dei a ele uma cópia do voto que você escreveu, porque é curto e escrito para que as pessoas possam compreender o que a Constituição significa pra todos nós. Meu pai voltou ao meu escritório dois dias depois e me disse: ‘Você pode se orgulhar por ser advogado’.” >>