O que é hermenêutica? (Gerber Moerman) *
[H]ermenêutica, de onde vem esse termo? Como todos vocês leem em qualquer introdução, vem de Platão, que diz que todo mensageiro — mensageiros como o deus grego Hermes –; que todo mensageiro precisa interpretar a mensagem para transmiti-la. Portanto, hermenêutica é interpretar e transmitir mensagens.
Aristóteles foi o primeiro a realmente escrever sobre hermenêutica, ou Peri Hermeneias, e o que ele disse foi o seguinte: todo texto tem uma parte chamada Elecutio. Uma parte que se detecta. Além disso, há a interpretação feita por você, o leitor. É a Interpretatio. Portanto, você tem o texto, elecutio, bem como uma interpretação sobre o texto, interpretatio. E, então, você tem a explicatio, o texto do intérprete. O que significa que você tem o texto, a interpretação do texto, bem como a explicação do intérprete. A explicação é outro texto. É outra camada. Existem três traduções acontecendo lá. Na hermenêutica, tentamos ver como chegamos a essas interpretações de forma clara, rastreável, que outros também poderiam ter feito.
Uma tradição importante na hermenêutica é a hermenêutica bíblica. Como acontece com qualquer livro sagrado, seja o Alcorão, a Bíblia ou a Torá, outros livros sagrados, precisamos interpretar esses livros, como crentes ou como estudiosos. Os crentes precisam interpretar esses livros porque eles orientam a vida. […]
Nessas três grandes [religiões], e também em outras, temos uma tradição de como interpretar esses textos. Geralmente isso é feito em pequenos versículos no contexto maior do texto sagrado completo.
Um exemplo que eu gostaria de destacar é Agostinho de Hipona (354–430). Ele era um homem interessante. Festejou, dançou e bebeu por um bom tempo em sua vida. Em um determinado momento, enquanto ele dormia, Deus o chamou e pediu que ele voltasse sua vida para a religião. E ele começou a se concentrar na Bíblia — a ler e interpretar a Bíblia. Ele escreveu sobre isso em suas “Confissões”. O que ele diz é que se você estuda um texto sagrado […], você terá que ler o texto, escrever sua interpretação, reler o texto, reescrever sua interpretação, reler sua interpretação, reler o texto, e assim por diante. E, ao fazer isso, ele sugere que você pode lutar para alcançar a verdade divina.
Outro filósofo muito famoso, o maior filósofo da Holanda, [Baruch] Spinoza (1632–1677), contribuiu de forma muito interessante para a hermenêutica ao dizer que, se você presta atenção nos textos, não se limita a interpretá-lo; você não adiciona apenas outra camada. Você tem que prestar atenção no texto em seu contexto. Não apenas o versículo, mas o versículo em seu contexto. E não apenas no contexto do mesmo livro, mas provavelmente na obra do autor, num determinado período de tempo, dentro de um determinado campo cultural, dentro de uma determinada língua; e, após, voltar ao versículo. Então, dos pequenos versos vá para o texto [como um todo], vá para o contexto, um contexto provavelmente mais amplo, e então volte de onde começou.
Se combinarmos as ideias de Agostinho com as ideias de Spinoza, o que temos são essas duas ideias centrais do círculo hermenêutico, quais sejam:
I. O conhecimento não pode ser considerado independentemente da pessoa que conhece. Agostinho leu a Bíblia, interpretou a Bíblia, releu a Bíblia, releu sua interpretação… Portanto, ele desempenhou um papel em sua interpretação. Essa é a primeira parte: ir e vir dentro da pessoa conhecida.
II. Cada pessoa e todo conhecimento estão inseridos em um determinado contexto. Portanto, para entender os textos, temos que entendê-los em um determinado contexto.
* Tradução não-oficial, para fins didáticos, de um trecho de:
Moerman, Gerber. “Hermeneutics”. In: Moerman, German. Qualitative Research Methods. Coursera.org | University of Amsterdam, October 2015.