Neste Dia do Advogado, relembramos um mártir da profissão
Nosso ofício da advocacia é coisa muito, muito séria: é, frequentemente, o que divide a dívida ignorada da dívida honrada; a liberdade da prisão; a responsabilização da impunidade; a justiça da injustiça.
Sendo um instrumento, esse ofício pode servir tanto para construir quanto para destruir e massacrar. Sobre isso, ninguém deve se iludir.
Neste Dia do Advogado, convém lembrarmos de quem merece ser lembrado sempre; de quem combateu o bom combate.
A reflexão de Sobral Pinto sobre o ofício da advocacia atravessa as gerações:
“O advogado só é advogado quando tem coragem de se opor aos poderosos de todo gênero que se dedicam à opressão pelo poder. É dever do advogado defender o oprimido. Se não o faz, está apenas se dedicando a uma profissão que lhe dá o sustento e à sua família. Não é advogado”.
Gabriel Sales Pimenta foi um jovem de grande inteligência. Passou em 1º lugar no vestibular de Direito na Universidade Federal de Juiz de Fora, onde concluiu seus estudos. Passou em 4º lugar no concurso nacional do Banco do Brasil. Era um concurso de muito prestígio, sonhado por muitos, sinônimo de uma carreira garantida e segura, de uma vida confortável.
O concurso levou Gabriel a Brasília, mas não era esse o seu chamado. Gabriel havia participado do movimento estudantil e era de uma família de católicos com atuação social e política. Em Brasília, conheceu a Comissão Pastoral da Terra (CPT), da Igreja Católica, e foi convidado a advogar pelos pobres em Conceição do Araguaia. De lá, transferiu-se para Marabá e assumiu a defesa de trabalhadores rurais, trabalhadores da construção civil e estivadores do porto.
Em pouco tempo, Gabriel ajudou os trabalhadores a se organizarem em sindicatos e foi o primeiro advogado a alcançar uma vitória judicial em prol de trabalhadores sem-terra naquele local.
Muitas famílias de agricultores pobres haviam ocupado uma propriedade que havia sido abandonada e que era reivindicada por grileiros. Para evitar o despejo dessas famílias, Gabriel interpôs uma ação judicial e obteve uma vitória provisória. Pouco tempo antes da audiência e da sentença do caso, Gabriel Sales Pimenta foi assassinado. Era o dia 18 de julho de 1982. Ele tinha apenas 27 anos de idade.
Houve investigações que apontaram responsáveis pelo assassinato de Gabriel, mas ninguém foi punido. A Comissão Pastoral da Terra e o CEJIL denunciaram o Brasil por violações dos direitos humanos de Gabriel e de sua família.
A denúncia afirma que o Estado falhou em proteger a vida de Gabriel, que já havia sido ameaçado de morte antes do fatídico dia 18 de julho de 1982. Afirma também que o Estado falhou em punir os responsáveis, que se beneficiaram da prescrição.
O Estado alegou que o assassinato de Gabriel não foi cometido por agentes estatais, e que não encontrou registro das ameaças de morte. Alegou também que a demora que resultou na prescrição deu-se por circunstâncias que escaparam ao controle estatal.
Gabriel Sales Pimenta é um mártir dos trabalhadores pobres, dos injustiçados da terra. Seu nome foi dado a escolas, a comunidades e também ao Centro Acadêmico dos estudantes de Direito de sua alma mater. Sua história é relembrada hoje, neste 11 de agosto, como exemplo do que o velho Sobral disse sobre a nossa profissão.
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Fontes das informações acima:
- Comissão Municipal da Verdade de Juiz de Fora. Depoimento de Rafael Sales Pimenta, Entrevistado por Helena da Motta Salles e Cristina Guerra. Juiz de Fora, 26 de agosto de 2014.
- Wikipedia. “Gabriel Sales Pimenta”. Acesso em 11 ago. 2020.
- Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Relatório №73/08. Petição 1236–06. Admissibilidade. Gabriel Sales Pimenta. Brasil. 17 de outubro de 2008.
- Comissão da Verdade em Minas Gerais. Relatório de Atividades. Dezembro de 2014, p. 195-201.