Direitos humanos e advocacia internacional

Henrique Napoleão Alves
5 min readAug 3, 2020

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Olá. Meu nome é Henrique Napoleão Alves, sou advogado e professor universitário. O Dr. William Santos me pediu para gravar uma mensagem breve sobre a importância da data de hoje, e também falando um pouquinho sobre o meu trabalho como advogado na área internacional e na área de Direitos Humanos.

Hoje, dez de dezembro, a gente celebra o Dia Internacional dos Direitos Humanos, o aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Eu queria começar destacando para vocês a importância social, histórica e moral da Declaração Universal.

Todos vocês já devem ter passado pela situação de ter alguma dificuldade em chegar num acordo com outras pessoas. Às vezes a gente não consegue construir acordo em torno de coisas que deveriam ser bastante simples. Aproveitando essa época do ano eu vou usar um exemplo trivial: às vezes a gente não consegue definir qual vai ser a data da confraternização de fim de ano entre os nossos amigos ou familiares.

Agora você imagina a dificuldade que é chegar em um acordo não só entre amigos, mas entre pessoas que não se conhecem, de países diferentes, de crenças diferentes… E um acordo que não é um acordo tão simples quanto uma data de uma festividade; é um acordo sobre quais devem ser considerados os direitos mínimos a serem conferidos à qualquer pessoa. Pois bem, meus amigos. Apesar de todas as dificuldades de construir um acordo desse tipo — e dificuldades que são bastante óbvias, vocês podem imaginar —, a humanidade, num raro momento de consenso, conseguiu construir esse acordo. E isso se deu também em virtude do contexto histórico trágico: a gente tinha acabado de sair de um conflito pavoroso, que ceifou dezenas de milhões de vidas humanas. Esse acordo é a Declaração Universal.

A Declaração Universal só logrou existir porque ela soube refletir contribuições das mais variadas culturas. Isso foi estudado e está documentado, em especial, num estudo precioso a respeito disso que foi feito no âmbito da UNESCO.

Eu vou destacar aqui para vocês uma dessas contribuições: a cristã. Um dos pilares da visão cristã de mundo é a ideia de que todos nós carregamos uma dignidade intrínseca pelo fato de sermos todos filhos e filhas de Deus. Todos nós, segundo a nossa crença cristã, fomos feitos à imagem e semelhança de Deus e isso confere, a cada um de nós, dignidade. Não importa se você é a pessoa mais virtuosa ou a menos virtuosa, se você é a pessoa que mais peca, que mais cai, que mais comete erros... A crença cristã é a de que você carrega essa dignidade e que, portanto, você é merecedor de compaixão, merecedor de respeito, merecedor de amor e merecedor de visão de esperança. A visão cristã é a de não desistir do ser humano. É olhar para o que caiu e ver nele o irmão e acreditar que ele pode se reerguer. Acreditar na redenção até o último momento. A Declaração Universal dos Direitos Humanos também foi construída com base no mesmo pilar de dignidade, da ideia de que, independentemente dos seus erros ou dos seus acertos, independentemente da sua nacionalidade e do seu gênero, da sua idade, da sua raça, da sua crença, se você é uma pessoa você carrega uma dignidade intrínseca e dessa dignidade emanam certos direitos.

Eu também queria destacar para vocês a importância jurídica da Declaração. A Declaração influenciou o conteúdo de uma série de Constituições mundo afora — inclusive a nossa a Constituição de 1988 — , e também influenciou uma série de tratados internacionais , seja a nível das Nações Unidas, seja a nível das regiões. Dentre eles, os tratados interamericanos de Direitos Humanos, dentre os quais eu destacaria a Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969.

É aqui que eu aproveito a deixa pra falar um pouquinho com vocês sobre o meu trabalho. Eu atuo na Comissão Interamericana de Direitos Humanos como advogado e me juntei à Secretaria Executiva da Comissão em setembro de 2018. A Comissão está sediada em Washington DC. Ela exerce uma série de funções e realiza uma série de atividades voltadas à promoção e à proteção dos direitos humanos no nosso continente, nas Américas, nos 35 países das Américas — América do Norte, América Central, América do Sul e Caribe.

Uma dessas funções tem a ver com receber denúncias de violações de direitos que estão previstos nesses tratados. Esse sistema que recebe as denúncias, esse sistema de petições e denúncias, esse sistema de casos é o sistema sistema ao qual eu me filio. A minha função básica é auxiliar a Comissão no seu trabalho de analisar e decidir se essas denúncias são procedentes ou não. O processo é bem similar aos processos de direito interno com os quais vocês estão acostumados. Existe uma petição inicial, existe um procedimento que dá oportunidade a outra parte — nesse caso, o Estado — de se manifestar; então, existe contraditório, possibilidade de contraditório, etc., e a função da Comissão é tomar uma decisão sobre se houve uma violação ou não.

Se a Comissão decide que houve uma violação, o Estado passa a ter um prazo para adotar medidas para reparar essa violação. Se essas medidas não são adotadas de maneira satisfatória é uma prerrogativa da Comissão poder levar esse mesmo caso a um tribunal internacional que é a Corte Interamericana de Direitos Humanos.

A minha função é essa função dupla, portanto. Eu auxílio a Comissão no seu trabalho de tomar essas decisões e auxilio a Comissão no seu trabalho de levar esses casos que não foram resolvidos a contento; de levar esses casos à Corte Interamericana para instauração de um processo judicial internacional.

Bom, é isso, meus amigos. Eu me despeço de vocês agradecendo ao doutor William pela oportunidade. É sempre um prazer me dirigir aos estudantes. Os estudantes são a esperança da gente em um futuro de mais dignidade, em um futuro de mais justiça; de mais justiça, paz e solidariedade para as nossas sociedades. E é com essa mensagem, uma mensagem de esperança e uma mensagem de responsabilidade, que eu quero concluir o meu recado para vocês. Eu quero desejar a vocês que no seu caminho não faltem oportunidades para que vocês, com seu trabalho, com a sua honestidade, com a sua seriedade, possam contribuir para que a Declaração Universal, os direitos que estão ali, a visão de mundo e a visão de homem e de sociedade que estão ali, não sejam apenas uma bússola, não sejam apenas um horizonte, não sejam apenas um ideal; mas que a Declaração Universal e o seu conteúdo sejam cada vez mais uma realidade na vida de todos os brasileiros e brasileiros. Um forte abraço, e até a próxima.

Henrique Napoleão Alves

De Washington DC para Belo Horizonte e Contagem, 10 de dezembro de 2019.

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Henrique Napoleão Alves
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Written by Henrique Napoleão Alves

Ph.D. in Law | Lawyer, lecturer, researcher | Views in personal capacity | Advogado e professor. Opiniões em caráter individual.

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