Barbara Oakley sobre como aprender melhor: anotações sobre sua palestra na empresa Google

Henrique Napoleão Alves
12 min readAug 2, 2023

--

Professora Barbara Oakley. Fonte da imagem: www.barbaraoakley.com

Barbara Oakley é professora de engenharia na Oakland University e na McMaster University. Algo que se destaca sobre a professora Barbara Oakley é a sua formação e atuação interdisciplinares. Inicialmente, ingressou nas forças armadas porque não tinha condições financeiras de fazer um curso superior. Com o apoio das forças armadas, fez o curso que desejava na época: Letras. Posteriormente, decidiu aprender matemática a sério e tornou-se professora de engenharia. Por uma motivação familiar, fez uma extensa pesquisa sobre comportamento e escreveu um livro relevante sobre psicologia, neurociência e ciências cognitivas. Também contribuiu com livros importantes sobre aprendizagem e mudança de carreira. É considerada como uma das mais importantes especialistas em aprendizagem do mundo.

As anotações a seguir foram feitas sobre sua palestra na empresa Google, no contexto do programa “Talks At Google”, em 22 de fevereiro de 2015. A palestra está disponível online gratuitamente no link https://www.youtube.com/watch?app=desktop&v=vd2dtkMINIw.

Aprender coisas novas é das coisas mais importantes que você faz como ser humano. Barbara Oakley decidiu estudar a aprendizagem a fundo. Pesquisou o site ratemyprofessors.com para identificar quais eram os melhores professores do mundo em disciplinas variadas. Queria entender como eles conseguiam ensinar tão bem, e como eles tinham aprendido o que sabem. Realizou entrevistas e descobriu que muitos dos professores, principalmente aqueles de STEM, usavam abordagens que incluíam metáforas e analogias para comunicar mais facilmente as ideias que precisavam ensinar.

O cérebro é muito complicado, mas sua operação pode ser simplificada em dois modos principais: o modo focado e o modo difuso. No modo focado, nosso cérebro usa padrões que já incorporou. Por exemplo: se você já aprendeu a multiplicar, quando se depara com uma conta de multiplicação, seus pensamentos transitam por padrões já estabelecidos. Padrões de pensamento, de raciocínio, de articular informações; padrões neurais.

Mas, como construir novos padrões? Quando pensamos um pensamento estando no modo difuso, os pensamentos podem transitar mais livremente. Por isso, se você estiver tentando resolver um problema de matemática muito difícil, que você não está conseguindo resolver, o melhor não é continuar focando nele, mas sim fazer uma pausa (para caminhar, tomar um banho…), entrar no modo difuso, e depois retornar ao modo focado.

Salvador Dalí, um dos mais brilhantes pintores surrealistas do século XX, quando estava diante de um problema no trabalho artístico, sentava-se em sua cadeia com suas chaves em sua mão para descansar. Em algum momento, ele cochilava e deixava suas chaves caírem. O barulho o acordava, ele retornava ao trabalho no modo focado, e resolvia o problema. A transição do modo focado para o modo difuso, e depois de volta ao modo focado, não é um expediente apenas para artistas. Thomas Edson, cientista e inventor, também fazia algo parecido ao descanso de Dalí.

Não é possível estar nos dois modos, focado e difuso, ao mesmo tempo. O modo difuso não é consciente, mas é também parte do aprendizado de novas coisas. Enquanto você está no modo difuso, seu cérebro trabalha e potencialmente faz seus pensamentos transitarem por caminhos mais livres, o que pode estabelecer novos padrões.

Quando você está diante de um problema difícil, geralmente você precisa transitar entre o modo focado e o modo difuso várias vezes, ao longo do tempo, até resolvê-lo. É como a musculação. Não desenvolvemos mais músculos da noite para o dia. Isso envolve tempo. Tempo para exercícios focados, tempo para descanso, tempo para repetir exercícios e descanso por muitas e muitas e muitas vezes.

Esse processo frequentemente é prejudicado pela procrastinação. Diferentes estudos já mostraram que quando você está olhando para um assunto que não gosta — por exemplo, para um livro de uma matéria que, a princípio, não é do seu interesse e mesmo do seu gosto –, os centros do seu cérebro relacionados a dor são ativados. Diante desse tipo de dor, há duas maneiras fundamentais de reagir: você pode tentar tolerá-la, e depois de um tempo ela pode desaparecer, ou tornar-se insignificante; ou você pode simplesmente desviar a sua atenção para algo mais prazeroso e sentir um alívio imediato! É disso que se alimenta a procrastinação. E é por isso que a procrastinação pode acabar funcionando como um vício. Assim como vícios nocivos, se você procrastina ocasionalmente, essa procrastinação pode não gerar um impacto relevante. Se, porém, você se torna alguém que procrastina com habitualidade, sua vida pode ser severamente prejudicada.

A maneira mais efetiva para lidar com a procrastinação é usar a técnica Pomodoro. A técnica é assim chamada porque seu inventor, um italiano chamado Francesco Cirillo, usava um timer que tinha o formato de um tomate (pomodoro, em italiano, significa tomate). A técnica é simples: use qualquer medidor de tempo e o ajuste para 25 ou 30 minutos. Durante esses 25 ou 30 minutos, garanta que não haja nenhum tipo de interrupção do seu foco: nenhuma notificação, alarme, e-mail ou aplicativos de mensagens, nada que possa atrapalhar a sua concentração. Ainda assim, enquanto você estiver trabalhando de maneira focada, concentrada, durante esses 25 ou 30 minutos, pode ser que o seu cérebro te traga pensamentos sobre outros assuntos. Deixe pacientemente que esses pensamentos venham e vão, deixe o instante passar, e volte ao trabalho, volte a focar na sua tarefa e no tempo cronometrado para estar no modo focado. A técnica Pomodoro é eficiente para evitar a procrastinação porque enquanto você está focado somente na tarefa a sua frente e, principalmente, no tempo estabelecido, e não na dor associada à tarefa, as coisas subitamente ficam mais fáceis, ou menos difíceis.

Qualquer pessoa pode fazer isso. Qualquer pessoa pode usar a técnica Pomodoro. Importante: quando completar os 25 ou 30 minutos, saia do modo focado e dê a você mesmo uma recompensa. Essa recompensa pode ser, por exemplo, relaxar, acessar a Internet, fazer uma breve caminhada. Seu cérebro precisa dessa alternância entre o modo focado e o modo difuso para aprender da maneira mais eficaz possível. O momento de relaxar é importante, faz parte do processo, faz parte do trabalho envolvido em aprender algo novo.

Outro aspecto importante do aprendizado é dormir. Muitos dizem sobre a importância do sono antes de uma grande tarefa, mas a verdade é que o sono é crucial para o aprendizado comum, no dia-a-dia. Uma das principais razões da importância do sono diz respeito a um processo biológico de limpeza do cérebro. Enquanto estamos acordados, processos metabólicos fazem com que detritos desses processos, toxinas, se acumulem gradualmente no nosso cérebro. Essas toxinas afetam o nosso raciocínio. É por isso que, quando ficamos muito tempo sem dormir, sentimos mais e mais dificuldade em raciocinar de maneira clara. Quando dormimos, células importantes mudam de tamanho, se encolhem, o que permite que fluidos façam uma limpeza dessas toxinas, desses metabolitos. Além disso, quando aprendemos algo novo e vamos dormir, é durante o sono que as novas conexões sinápticas se formam no nosso cérebro. É assim que consolidamos o aprendizado.

Um aspecto de enorme importância para o aprendizado, além dos já mencionados, é o exercício físico. Não precisamos ser levantadores de peso olímpicos ou corredores de maratonas para termos os benefícios que o exercício proporciona. Uma simples caminhada já é bastante útil. Todos nós já tivemos a experiência de estar com a mente travada, cansada, sair para uma breve caminhada e voltar com a mente melhor. Essa experiência subjetiva também já foi estudada pelos cientistas. Mas, se uma caminhada já pode ser benéfica, se exercitar várias vezes na semana pode gerar mais e mais benefícios. É algo que ajuda seus neurônios a crescer e a sobreviver — algo que era desconhecido pela ciência tempos atrás.

Nosso cérebro possui uma memória de curta duração, e uma memória de longa duração. O desafio de aprender algo novo é fazer com que o conteúdo aprendizado transite de um tipo de memória a outro. Algo que facilita enormemente esse processo é a prática. Quanto mais praticamos o que estamos aprendendo, mais e mais os novos padrões de conexão neural, se aprofundam e se consolidam. Se, por outro lado, não praticamos o que acabamos de aprender, pequenos vampiros metabólicos sugam os padrões neurais antes que eles possam se aprofundar e se consolidar. É por isso que muitas vezes nós aprendemos algo novo dos nossos professores, temos a sensação de que realmente aprendemos, de que entendemos os novos conceitos e demais informações, mas, depois de alguns dias, não somos mais capazes de lembrar do conteúdo e dos detalhes que julgávamos saber. Todos passamos por isso em algum momento, ou em vários momentos, na nossa caminhada. A forma de evitar isso? Prática, prática, prática. E a melhor forma de praticar? A da prática por repetição espaçada (spaced repetition). E uma forma simples de implementar a repetição espaçada é estudar um determinado assunto em dias espaçados ao longo da semana. Rever o conteúdo e fazer exercícios em dias espaçados. Outra forma é a do uso de flashcards (cartões de memorização).

Memória de trabalho entende-se como um componente cognitivo ligado à memória, que permite o armazenamento temporário de informação com capacidade limitada. Há grande número de teorias tanto para a estrutura teórica da memória de trabalho (isto é, o “mapa organizacional” que ela segue) quanto para as partes específicas do cérebro responsáveis pela memória de trabalho. No entanto, a visão aceita é a de que o córtex frontal, o córtex parietal, o córtex cingular anterior e partes do gânglio basal são cruciais para seu funcionamento. Neste tipo de memória mantemos a informação enquanto ela nos é útil. A memória de trabalho reporta-se as atividades mentais em que o objetivo não é a sua memorização, mas que, não obstante disso, implicam uma certa memorização para se poderem aplicar de modo eficaz. Este tipo de memória é utilizada por exemplo quando o patrão pede que no dia seguinte cheguemos uma hora mais cedo, manterás na memória esta informação, que irá ser esquecida depois de a teres cumprido o pedido, ou seja, depois de teres chegado uma hora mais cedo. Chama-se memória de trabalho à atividade de armazenamento e de utilização de informação ligada especificamente à realização de uma tarefa: refere-se, portanto, a um tipo de memória que trabalha. (Wikipedia)

Quando tentamos aprender os fatos, nos primeiros passos do estudo da matemática, nossa memória de trabalho quase vai à loucura enquanto tentamos compreender aquilo. O mesmo ocorre quando estamos diante de muitas peças de um quebra-cabeça que ainda não conhecemos e, portanto, que ainda não montamos. Mas, uma vez que conseguimos compreender os fatos da matemática, podemos formar, na nossa memória, uma espécie de bloco (em inglês, “chunk”) de informação. A informação que antes estava sem padrão, como as peças de um quebra-cabeça misturadas diante de nós, passa a ficar organizada no bloco; o bloco organiza e padroniza a informação compreendida.

Quando formamos um bloco de informação através do entendimento, da compreensão, fica bem mais fácil para a nossa memória de trabalho retomar esse bloco para executar alguma tarefa. Vejamos mais um exemplo. O início do aprendizado sobre como dirigir um veículo é difícil, mas, uma vez que aprendemos e temos o bloco formado pela compreensão, nossa memória de trabalho é capaz até mesmo de acessar o bloco para conseguirmos executar a tarefa de dirigir, sem que ela (a memória de trabalho) fique sobrecarregada.
Além disso, o bloco de informação formado através do entendimento permite mais facilmente a combinação entre blocos de informação assimilados. Se, porém, apenas memorizamos a informação sem entendê-la, as mesmas vantagens não ocorrem. Através do aprendizado efetivo, formamos blocos que comprimem informações, que comprimem ideias, e que podem ser combinados entre si para formar blocos maiores. Os blocos bem formados também facilitam o aprendizado de blocos parecidos. Assim, por exemplo, um físico pode ter mais facilidade para aprender economia, porque há blocos parecidos entre essas áreas.

O aprendizado de um tema ou tópico envolve a formação de uma espécie de biblioteca de blocos. Pessoas verdadeiramente especialistas numa área acumulam muitos blocos de ideias daquela área. Têm uma biblioteca de blocos imensa. Pessoas muito criativas geralmente são aquelas que têm bibliotecas amplas de blocos aprendidos e, por isso, conseguem combinações inovadoras entre blocos.

Aprender uma área nova envolve uma acumulação de blocos que pode ser comparada à montagem de um grande e complexo quebra-cabeças. A partir dessa acumulação, a grande imagem que o quebra-cabeças forma começa a ficar cada vez mais visível. Quem aprende mais e melhor, enxerga coisas que não são visíveis a quem não percorreu o mesmo caminho de estudos. Se, porém, nós não temos prática, repetição, dedicação, o quebra-cabeças fica demasiado incompleto para que possamos enxergar algo mais relevante.

As pessoas diferem entre si em relação à memória de trabalho. Há aquelas com mais facilidade de prestar atenção, de memorizar e de entender. Há aquelas que se distraem mais facilmente. Essas últimas podem ter que trabalhar mais duro do que as primeiras para chegar no mesmo lugar de aprendizado, mas elas costumam ter, por outro lado, uma vantagem: porque sua atenção é um pouco mais difusa, porque se distraem mais facilmente, seus cérebros tendem a ser mais criativos. As pessoas diferem entre si em relação à memória de trabalho e à velocidade do seu raciocínio. Há pensadores rápidos e lentos. Há pessoas que conseguem captar novos conteúdos com muita rapidez e facilidade, e outras que têm um raciocínio mais devagar. A própria professora barbara Oakley se insere no segundo grupo. Pessoas que são mais lentas em aprender e reter novas informações não ficam necessariamente em desvantagem, porque podem compensar isso com o trabalho duro e constante. O aprendizado para uma carreira não é uma corrida de cem metros; é uma maratona. As pessoas com mentes mais rápidas podem ganhar a corrida de cem metros, mas, no longo prazo, que é o prazo para o aprendizado para uma carreira, isso não significa muito. Pessoas com cérebros muito rápido podem ser tentadas a não trabalhar com o mesmo afinco. Além disso, essas pessoas, pela velocidade de seu raciocínio, podem perder detalhes ou serem menos flexíveis do que pessoas que pensam mais lentamente. Maryam Mirzakhani ganhou a Medalha Fields, um prêmio considerado como o Nobel da Matemática. Ela não desistiu do seu caminho, mesmo tendo ouvido durante sua trajetória que seu cérebro seria lento demais para a matemática, e que ela deveria desistir da área. Ela é considerada uma das mais criativas matemáticas do mundo.

Durante nosso processo de aprendizado, precisamos confiar em nós mesmos e evitar a chamada “síndrome do impostor”, i.e., a ideia de que nós não merecemos estar aonde estamos, que não merecemos eventuais elogios ou admiração de outras pessoas etc. Por outro lado, precisamos ter cuidado também com as chamadas ilusões de competência. A pessoa com uma ilusão de competência julga que sabe muito mais do que realmente sabe. Todos nós podemos passar por isso. Por vezes, achamos que um determinado conteúdo já está memorizado e entendido, que já está aprendido, até descobrirmos, no momento de fazer uma prova ou avaliação, que na verdade era tudo uma ilusão; até não conseguirmos puxar, na memória e no raciocínio, a resposta de uma pergunta de prova.

Para evitar que as ilusões de competência ocorram, os exercícios são um dos melhores remédios. Resolver exercícios, fazer simulados. É amplamente demonstrado que quem faz isso tem desempenhos melhores nas avaliações.

Outro recurso é o de usar os flashcards, os cartões de memorização, que comprovadamente são úteis não apenas para o aprendizado de matemática básica ou de um idioma estrangeiro, mas também para o aprendizado de outros temas. Podemos aplicar os cartões para memorizar desde equações até poemas. E devemos fazer isso de modo que não apenas haja memorização, mas também entendimento: debruçar-se sobre os cartões para memorizar um determinado conteúdo enquanto tentamos entender os porquês daquelas informações.

Um terceiro recurso é o da prática repetida, e ele pode ser aplicado, por exemplo, para o contexto dos deveres de casa: do mesmo modo que ninguém aprende a tocar uma música no piano fazendo o dever de casa sobre aquela música uma única vez, para qualquer assunto a repetição é importante e necessária. Talvez você não tenha tempo para fazer o dever de casa várias vezes. Tudo bem. Veja, porém, se consegue ao menos repetir aqueles exercícios que pareçam ser os principais, os mais importantes, difíceis ou abrangentes. Ou se ao menos consegue repetir a resposta aos problemas mentalmente, se consegue reproduzir os passos da solução do problema em sua mente. Se você consegue fazer isso na sua mente, é um grande sinal de que você converteu aquela informação, ou padrão de informações, num bloco a ser mais facilmente acessado no futuro.

Todos os especialistas das mais variadas áreas acadêmicas, todos os atletas profissionais e todas as pessoas que conseguiram aprender idiomas estrangeiros ou instrumentos musicais em alto nível sabem que seu desenvolvimento se deu por meio de prática e repetição; quanto mais prática e quanto mais repetição, melhor.

Adicionalmente, talvez a mais importante técnica para evitar as ilusões de competência seja a da recordação (em inglês, “recall”). Ela pode ser exercida, por exemplo, diante de um material de leitura. Se você está lendo um parágrafo ou uma página, a melhor técnica não é a de sublinhar, tampouco a de fazer mapas mentais, nem mesmo reler várias vezes. A melhor técnica, comprovadamente, é a de, após a leitura de um trecho determinado, não olhar mais para a página e tentar, mentalmente, recordar o conteúdo.

Em conclusão, seu aprendizado pode ser grandemente facilitado pelo estudo rigoroso com outros colegas, de modo que você tente explicar o que aprendeu e seja corrigida ou complementada pelos colegas em caso de erro ou incompletude; e também pela técnica de explicar o conteúdo da maneira mais simples e didática possível para alguém, i.e., explicar de modo que uma criança de dez anos possa entender, com boas metáforas e analogias.

--

--

Henrique Napoleão Alves
Henrique Napoleão Alves

Written by Henrique Napoleão Alves

Ph.D. in Law | Lawyer, lecturer, researcher | Views in personal capacity | Advogado e professor. Opiniões em caráter individual.

No responses yet